A produção de um filme costuma demorar meses e contar com grande número de
artistas. Mas na hora de explorar a obra financeiramente, como são divididos os
rendimentos decorrentes, por exemplo, de sua distribuição? Como os atores
participam desse processo?
Ou ainda, quando um dublador assina contrato para fazer a voz de personagem
de uma série para que os capítulos sejam exibidos na televisão, quais são seus
direitos se a obra é lançada em DVDs? E quando programas são reprisados, é
devido pagamento ao apresentador, locutor ou ator?
Casos como esses já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem
firmado jurisprudência com base no capítulo de direitos conexos da lei de
direitos autorais (Lei 9.610/98). São detentores de direitos conexos,
“aparentados” ou “vizinhos” ao direito de autor, atores, cantores, músicos,
bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem,
declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou
artísticas. Esses artistas são chamados de “executantes” ou
“intérpretes”.
Autoria
A legislação atual também resolve a quem pertencem os direitos autorais de
uma obra coletiva. A doutrinadora Eliane Yachouch Abrão explica, no livro
Direitos de Autor e Direitos Conexos, que, por expressa disposição legal, a obra
audiovisual tem a autoria compartilhada pelo autor do argumento literário ou
musical e pelo diretor.
O produtor também pode vir a ser coautor legal da obra cinematográfica, por
convenção, quando toma a iniciativa do empreendimento, organizando-o,
interferindo nos aspectos criativos da obra, ou por cessão dos direitos
patrimoniais dos coautores. Na lei de direito autoral anterior, de 1973, a
autoria de obra cinematográfica era garantida de maneira automática ao diretor,
autor do assunto ou argumento e ao produtor.
Portanto, um ator, quando autoriza a utilização de seu trabalho para a
confecção de um filme, salvo convenção em contrário, consente na sua utilização
econômica. Ou seja, ele não poderá negar posteriormente a exploração financeira
da produção ao diretor ou ao produtor de direitos de comercialização.
Direito do autor
A soberania do direito do autor em relação ao detentor de direitos conexos
foi aplicada no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.046.603. No caso, regido
pela lei vigente à época (antes da atual lei de direitos autorais), a Quarta
Turma do STJ não reconheceu direitos autorais da atriz Alzira Alves referentes à
veiculação do filme Limite em fitas de videocassete.
O ministro Luis Felipe Salomão adotou entendimento de que ator que atuou em
obra cinematográfica não tem direito de impedir sua fixação em outros meios
físicos, quando autorizada pelo titular do direito autoral. O relator rejeitou
os argumentos da artista, que recorreu a dispositivos da Convenção de Roma,
internalizada pelo Brasil em 1965, a qual permitiria aos atores impedir o uso
econômico não autorizado de interpretação.
Ele esclareceu que o artigo da convenção invocado exclui a incidência de
seu direito conexo frente ao próprio detentor dos direitos autorais. O diretor
da obra, Mário Peixoto, havia cedido os direitos de distribuição à Embrafilme,
que por sua vez os cedeu à Globovídeo/Sistema Globo de Gravações Audiovisuais
Ltda.
Obra derivada
Em seu voto, o ministro Salomão afirmou que, “além de não haver previsão
legal conferindo direito de autor ao artista, a sua admissão acarretaria
inúmeros inconvenientes, sobretudo de cunho científico”.
O relator citou reflexão do doutrinador José de Oliveira Ascensão. Segundo
ele, tal ideia, “além de nociva, é inadmissível”. Ascensão afirmou que “a
interpretação/execução atualizam uma obra, não criam uma obra nova, e não podem
ser dissociadas dos artistas porque são prestações pessoais: o canto não se
separa do cantor, a pantomima do artista de mimo, e assim por diante”.
O autor julga ser impossível que haja plágio de uma interpretação ou
execução. No seu entendimento, “a interpretação não se objetiva nem se separa do
artista, não há em relação a ela a possibilidade de apropriação que existe em
relação à obra literária ou artística.”
Ele ainda exemplificou: “Centenas de artistas tentaram tocar violino como
Oistrakh, cantar como Elvis Presley, dançar como Margot Fonteyn. Também no
Brasil são inúmeros os Paulo Gracindo ou as Gal Costa. Podemos gostar ou não. O
que não podem é dizer que o ‘plágio’ ou até a cópia servil de uma
interpretação/execução representam um ilícito – e até um crime, na conceituação
da lei brasileira.”
“Copiam-se obras, não interpretações. Nunca, em todo o mundo, passou pela
cabeça de ninguém dar direitos exclusivos a uma interpretação ou sobre o modo de
atualizar uma obra. Ninguém reprovou a Mireille Mathieu cantar como Edith Piaf”,
concluiu.
Uso indevido
Porém, quando a redistribuição é feita sem autorização do autor da obra, o
detentor de direitos conexos pode pedir indenização pelo uso indevido de seu
trabalho. No Agravo de Instrumento 1.240.190, o ministro Massami Uyeda negou
provimento a recurso da Fox Film do Brasil, que pretendia rediscutir no STJ
decisão em que foi condenada a indenizar um dublador por danos materiais e
morais.
O profissional fez a voz do personagem Jack Bauer nas três primeiras
temporadas da versão brasileira da série 24 Horas, para exibição apenas em TV a
cabo. Porém, a Fox colocou à venda DVDs das três temporadas com episódios
dublados sem dar o devido crédito.
Na corte local, ela defendeu a tese de que os direitos patrimoniais dos
titulares da obra coletiva se sobreporiam aos direitos conexos do artista
intérprete quanto à difusão da obra audiovisual. Segundo ela, a reclamação sobre
direitos morais relativos à obra cabia exclusivamente ao seu diretor.
O relator avaliou que o entendimento do tribunal local está de acordo com a
jurisprudência do STJ. Ele citou outros julgados, nos quais se afirma que “os
direitos de autor, reconhecidos em lei, não são excludentes dos direitos conexos
de que são titulares os artistas, intérpretes e executantes, partícipes da obra
cinematográfica”.
Coexistência de direitos
O entendimento de que os direitos conexos não são de caráter excludente em
relação ao direito do autor se repete na discussão do REsp 148.781. A Quarta
Turma do STJ manteve condenação da Editora Nova Cultural Ltda., sucessora da
Abril S/A Cultural, a indenizar dois dubladores.
Os autores da ação fizeram a voz de dois personagens de um clássico
infantil da Disney. O filme havia sido gravado para exibição em 35mm, quando
receberam o correspondente às interpretações, sem fornecer autorização de cessão
a terceiros, transferência para outro suporte material, comercialização em livro
ou qualquer outra forma de divulgação.
Porém, a editora colocou à venda publicações com a história, acompanhada de
disco que reproduz trechos da gravação original, reprodução esta que também é
feita em fita cassete, sem o devido crédito.
O ministro Barros Monteiro ressaltou que, no caso, não há por que excluir o
direito moral dos artistas, intérpretes ou executantes de obra cinematográfica:
"Os direitos de autor, reconhecidos em lei, não são excludentes dos seus
direitos conexos ou vizinhos; antes, ao reverso, são também por ela protegidos.
Nem tampouco os referidos conexos prejudicam em alguma coisa os direitos de
autor, que, a sua vez, acham-se inteiramente também preservados."
Reexibição de programas
Ao analisar o REsp 152231, a Quarta Turma entendeu que se inserem direitos
conexos na reexibição de programas. No caso, a Fundação Padre Anchieta – Centro
Paulista de Rádio e TV Educativas, que mantém a TV Cultura e as rádios Cultura
AM e Cultura FM, foi condenada a indenizar homem que atuou como locutor ou
apresentador, pela reexibição de programas de que participou.
O autor havia sido remunerado apenas pela primeira exibição das atrações.
Mesmo assim, os trabalhos estariam sendo reexibidos não só pela TV Cultura como
por outras TVs educativas, sem autorização e sem que o autor recebesse qualquer
quantia pelos direitos conexos a que faria jus.
As instâncias ordinárias julgaram o pedido do locutor improcedente, já que
os direitos morais e patrimoniais sobre a obra, por ser trabalho coletivo,
pertenceriam à empresa, a qual, na hipótese de venda ou reexibição, não teria
que solicitar a autorização dos artistas.
No entanto, o ministro Barros Monteiro avaliou que “não obstante cuidar-se
no caso de uma obra coletiva, ao autor, na qualidade de locutor/apresentador,
assistem os direitos conexos, isto é, aqueles devidos em cada reexibição ou
retransmissão do programa de que participou”.
O relator disse ainda que "pela primeira exibição das produções coletivas o
autor nada postula. O seu reclamo situa-se precisamente nos denominados direitos
conexos que lhe são devidos pelas reexibições e retransmissões por outras
emissoras educativas".
Ele também rejeitou os argumentos da Fundação Padre Anchieta, de que
estaria isenta de pagar pelos direitos conexos porque o locutor havia sido
empregado da TV Cultura e os programas não eram comercializados.
O entendimento pela permanência dos direitos conexos de artistas em relação
à produtora titular dos direitos autorais, no caso de reexibições, também foi
aplicado no REsp 438.138. No caso, julgado pela Quarta Turma sob relatoria do
ministro João Otávio de Noronha, foi reconhecido que a produtora é titular dos
direitos autorais, ressalvados os direitos conexos dos artistas, que tiveram
remuneração por cada reapresentação.
Autoral x conexo
Os direitos conexos também foram discutidos no julgamento do REsp
1.207.447. No caso, a Terceira Turma julgou procedente alegação do Escritório de
Arrecadação e Distribuição (Ecad), de que seria devido o pagamento de direito
autoral, além de direito conexo, quando grupo contratado para fazer show ao vivo
interpreta músicas de sua própria autoria.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que “o cachê recebido pelo
cantor intérprete e a retribuição pelo uso da obra são parcelas inconfundíveis,
decorrentes de situações jurídicas bastante distintas, embora possa existir,
eventualmente, confusão em relação aos sujeitos que os titulam”.
Para ele, a primeira parcela é direito conexo ao direito de autor, pois a
atividade do intérprete caracteriza-se pela execução de obras musicais. Ela é
resultado de uma relação de prestação de serviços, em que o cantor se obriga a
realizar uma apresentação musical em troca de determinada contraprestação
financeira. Isso não se confunde com a retribuição pelo uso da obra, que diz
respeito ao conteúdo patrimonial do direito do autor.
O ministro Sanseverino citou como precedente o REsp 363.641, da relatoria
do ministro Menezes Direito, em que ele reformou o entendimento da corte local.
Segundo ele, a decisão da instância inferior “levou em conta os direitos conexos
e se esqueceu dos direitos autorais.”
REsp 1046603
Ag 1240190
REsp 148781
REsp 1207447
REsp 152231
REsp 438138
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Fonte: STJ |
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segunda-feira, 15 de outubro de 2012
Direitos conexos: STJ define direitos de quem participou de obra da qual não detém autoria
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